segunda-feira, 1 de junho de 2009

"Nos horizontes do mundo"

Faz alguns anos que, na tentativa de diminuir a tristeza e o desespero que insistiam em permanecer instalados no meu peito, machucando e comprimindo a caixa toráxica, resolvi arrumar uma das estantes de livros cuja visão diária é um dos elementos responsáveis pelo meu conforto psicológico. Porém, antes de começar a escalada e a arrumação da minha montanha mágica, coloquei alguns CDs do Paulinho da Viola para tocar e, com o volume relativamente alto, iniciei a ordenação dos livros de acordo com a sua importância para mim.

Os volumes de Direito foram parar na prateleira mais alta, a mais distante do alcance das mãos e dos olhos; os de Filosofia foram reunidos em patamares acessíveis, com filósofos e seus respectivos comentadores lado a lado. (Posso tê-los abandonado, mas, quando menos espero, um deles salta na minha frente, surgido de alguma das sombras dos meus pensamentos, que, passei a notar, estão cheias deles.)

Biografias, livros de História e de poesia separados, sobraram os romances (o melhor ficou para o final), que acabaram tomando os espaços mais privilegiados da estante.

Enquanto mexia nos livros procurando a melhor maneira de organizá-los, eu ouvia o Paulinho cantar e cantar e, a certa altura, a conversa silenciosa que mantinha com meus filósofos e escritores preferidos foi interrompida pela alegria melancólica da poesia e da voz que vinham das caixas de som.

Não que eu não gostasse da melodia; é que, naquele momento, as palavras e a voz que as diziam começaram a surtir efeito curativo e apaziguador sobre mim.

Aquele vinha sendo um período em que tudo o que eu andava conseguindo escutar eram as palavras catastróficas de Macbeth, gritando nos meus ouvidos que a vida era uma história idiota, cheia de fúria e de muito barulho, que nada significava.

Mas aí, inadvertidamente, presto atenção e ouço um cara falando sobre o mundo e os seus horizontes, e ouço e ouço mais e mais vezes, e o barulho e a fúria vão amainando, até que, um dia, embora continuasssem lá, passei a não notá-los.


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Quem já perdeu uma pessoa muito próxima e querida em circunstâncias trágicas sabe que a revolta, o desespero e a dor são inevitáveis e que, no fim das contas, o transcurso do tempo é a única coisa capaz de fazer os dois primeiros esmorecerem e, a última, transformar-se. Desaparecer? Acredito que não. Mas, em todo caso, como me dizia o Paulinho naquela tarde da arrumação da prateleira,

"Nos movimentos do mundo
cada um tem seu momento
todos têm um pensamento
de vencer a solidão
e quem pensar um minuto
saberá tudo dos ventos
e se tiver sentimento
estenderá sua mão.
(...)
Nos movimentos do mundo
requerer perdas e danos
é abrigar desenganos
sem amor e sem perdão
nos horizontes do mundo
não haverá movimento
se o botão do sentimento
não abrir no coração."

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