Estou numa loja estreita, crua, e entrego o pagamento em dinheiro ao homem que me atende, postado numa linha diagonal, do outro lado do balcão. Há pouco espaço para manter distância e ele é obrigado a inclinar o corpo na minha direção para pegar o dinheiro que quero lhe entregar e para o qual ele olha como se não acreditasse no que vê. Eu digo que não tenho outra forma de pagar e ele olha para uma nota de dez reais que há entre as outras notas e diz que ela é nova e que, portanto, deve estar contaminada. Titubeia algumas vezes mas pega o dinheiro, não sem um toque de horror no rosto. Não sei o que estou comprando. Talvez shampoo. Aquela loja vende shampoo? Não deveria vender, pois eu a conheço desde a infância e lá não se vende shampoo. Faço uma incursão mental até a mesa onde ele costumava sentar e eu também, às vezes. Mental? Vou até o fundo. Caixas de papelão. O cheiro do pó e do papelão. Eu conheço todo aquele espaço, dentro e fora da loja. Fora, antes, eu tomava banho e meu shampoo acabou. Antes ou depois do banho? Eu estava trabalhando, havia um colega que não ajudava. Era uma espécie de dormitório. Estávamos todos ali. O dia todo? O que fazíamos? O banheiro era coletivo. Mulheres e homens? Ou só mulheres e só homens? Tomei banho mais de uma vez e eram banheiros diferentes a cada vez. Mais escuros, mais claros. A claridade tinha o tom do amarelo. Esse colega me exasperava. Por que ele se expandia tanto?
Corte. Outra cena. Estou numa cidade do nordeste do Brasil. Faço incursões pela água, de uma forma bidimensional, como já aconteceu em outro sonho. Mas nesse não vejo a viagem. Sei que há o mar. Num retorno, acesso a entrada do transporte público, terrestre. Como a entrada de uma estação de metrô. Não é a primeira vez que estou ali mas só nesse momento acesso um local retirado da circulação e vejo, por um vidro imenso, crateras como as da lua em torno das quais há pessoas sentadas. Não muitas, esparsas. Elas observam a paisagem. As crateras são preenchidas com água azul quase bic e todo o mar se estende a partir dali. Todo ele é azul muito forte. O céu não, o céu é amarelo, é vermelho, é laranja. Alguém me diz que sim, que aquilo está ali, que é só ir até lá. Volto para algum outro lugar e falo sobre o azul e as crateras. Com quem eu falo? Depois procuro uma forma de acessar a paisagem. Entro por uma porta e deparo com uma escada. Branca. Começo imediatamente a subir e me desculpo pela invasão com uma mulher que está ali. Eu a conheço. Quem é ela? Ela diz que tudo bem, que muita gente passa por ali. Então isto é uma servidão de passagem, pergunto. Ou será que afirmo? Ela diz que sim, que mais ou menos. Acesso a rua e caminho. O colega exasperante está ali. Mas não é ele. É um amigo. Uma amizade breve. Ele fica pelo caminho mas não completamente. Sigo e entro num local parecido com um abrigo de acesso a algum tipo de transporte público. Há vidros. Não nada além de paredes e de vidros. Olho por eles e as crateras estão ali. O mar terrivelmente azul também. O homem reaparece e eu não sei o que dizer. Ele fala muito e me exaspera. Por que aquele mar é tão azul?
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