domingo, 17 de maio de 2020

Com paixão

A professora de Alemão certo dia nos ensinou que a paixão, naquele idioma, doía muito. Ela nos disse que leidenschaft tinha a ver com dor, com muita dor, e que o termo em si, autoexplicativo, traduzia essa noção de sofrimento.

Passei anos pensando nisso, até agora, Até que a culpa nos separe, onde vejo escritas, nas páginas finais, as palavras com paixão. E aí penso que compaixão é para quem tem paixão, é para quem sofre. Porque se eu não sofro o sofrimento que há em mim, como posso sofrer com o sofrimento do outro? Porque sofrer, não sei, sofrer eu acho que todo mundo sofre, mas sofrer o sofrimento, o próprio e o alheio, nem todo mundo pode. Afinal, de novo e sempre, cada um faz o que pode.

Há quem simplesmente não possa sofrer o sofrimento, quem não posssa se apaixonar. Porque a paixão é um estar para fora de um jeito louco, é ter a coragem (ou eventualmente a falta de opção) de se lançar no outro e deixar de si. E quem é que pode sofrer assim? Quem pode se abandonar, mesmo que só por um tempinho, para ficar com a dor do outro?

Aqueles que formam filas na porta da Zara em tempos de pandemia? Os que nesses mesmos tempos exibem em suas redes sociais o seu bem-estar material enquanto milhões de pessoas padecem ainda mais com a fome e com a pobreza e enquanto outras milhares morrem, deixando atrás de si o sofrimento multiplicado de criaturas que nem sequer puderam constatar fisicamente a morte de quem se foi (até os cães que vivem juntos precisam ver o corpo do companheiro canino morto quando este falece longe do amigo, num hospital veterinário, por exemplo, sob pena de ficarem profundamente tristes e atormentados)? Ou quem sabe aqueles que acham que, ao fazerem o que querem e como querem, estão simplesmente assumindo um risco individual?

Quem é que pode, afinal, compaixão?

Nenhum comentário:

Postar um comentário