Sendo uma daquelas pessoas às quais a simples visão de um livro é capaz de oferecer alívio e conforto imediatos diante do inevitável tédio que ronda a existência humana, é natural que eu sinta também um leve frenesi de felicidade todas as vezes que coloco as mãos num livro para, em seguida, lê-lo ou levá-lo para a pilha de livros a serem lidos.
E
foi justamente a eterna e sempre crescente pilha de livros
a serem lidos o destino, há muitos anos, de Antes que Anoiteça,
comprado num dos muitos sebos que eu frequentava na época das vacas
magras da faculdade.
Numa tarde de garimpagem literária, deparei
com o livro numa estante bagunçada e empoeirada de um dos tais sebos
poucos dias após ter assistido a Antes do Anoitecer numa pretensa
sala de cineclube improvisada em algum dos espaços teatrais da Praça
Roosevelt. O filme, baseado no livro de Reinaldo Arenas, com Javier
Bardem no papel do escritor, me deixou impressionadíssima, de forma
que, ao dar de cara com aquele volume já meio capenga e amarelado
numa estante insólita, tive que levá-lo para casa, onde ele ficou
hospedado durante anos a fio na famigerada pilha.
Recentemente,
decidi que estava na hora de lê-lo e não pude deixar de achar curioso o fato de que, tantos anos depois de tê-lo comprado, estava lendo suas primeiras páginas quando foi anunciada a morte de Fidel Castro.
Antes
que Anoiteça são as memórias do escritor cubano Reinaldo Arenas,
que cresceu sob a ditadura de Fulgêncio Batista e viveu sob a
ignomínia da inominável ditadura castrista.
Reinaldo
Arenas, filho de camponeses pobres, homossexual e escritor, foi, por
esses mesmos motivos, perseguido, censurado, preso, humilhado e
torturado das formas mais abjetas e inimagináveis possíveis pelo
regime de Fidel Castro, que mais parecia um circo incontrolável de
atrocidades do que propriamente um regime político, mesmo que
ditatorial.
A
regra do regime em Cuba era a arbitrariedade, a violência, o
aumento e a manutenção da miséria para os miseráveis, o incentivo
à traição e à deslealdade, a perseguição a homossexuais e a
mulheres, o aniquilamento completo da criatividade e da liberdade.
Parece ser incontável o número de artistas que tiveram suas vidas e
carreiras destruídas, que foram mortos diretamente pelas mãos da
ditadura ou que, desesperados, puseram fim às próprias vidas.
À medida que a leitura avança cresce também a perplexidade do leitor diante da inexplicável loucura e crueldade do regime castrista. Contudo, mesmo com o estômago um pouco revirado, é impossível largar o livro de Reinaldo Arenas, que, como só um escritor brilhante e obstinado consegue fazer, agarra o leitor, desde a primeira página, com a firmeza própria de quem ousa libertar o seu demônio interior.
Muito mais que os livros do também escritor cubano Pedro Juan Gutiérrez, autor do famoso Trilogia suja de Havana, Antes que Anoiteça é literatura definitiva na desmistificação do regime de Fidel Castro e também um daqueles livros que, uma vez lidos, passam sem grandes esforços da "pilha de livros a serem lidos" para a "lista dos dez mais".
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