quinta-feira, 29 de outubro de 2015

All or Nothing at All

Tarde nublada de domingo e as três gerações de mulheres do meu pequeno e principal núcleo familiar estão reunidas em frente à televisão. As idades variam, de 36 a 90 anos, e a programação rolando é a do Canal Off. Avó, mãe e filha de olho na tela, comentamos sobre os lugares deslumbrantes que vemos nela, sobre o quão legal é fazer uma trilha, sobre o tamanho das mochilas que as garotas que apresentam o programa de trekking estão usando; ficamos todas encantadas com o azul turquesa da água, com os tubos formados pelas ondas e com as baleias que aparecem no programa subsequente, gravado na Polinésia Francesa. Nossa empolgação termina quando a programação desemboca no universo do skate; bate uma preguiça e acabamos deixando a TV de lado. Talvez um cochilo geral? Minha mãe sai de cena, se joga na cama e, no sofá, ficamos eu e a minha avó. Abro Livre, o relato da escritora norte-americana Cheryl Strayed sobre a sua caminhada, sozinha, nos anos 90, pela Pacif Crest Trail, trilha que atravessa toda a costa oeste dos Estados Unidos, posteriormente adaptado para o cinema, mas rapidamente desisto da leitura. Estou com muito sono para ler, mas com pouco para dormir. 

Ligo a TV novamente e aperto o botão da Netflix no controle remoto. Por algum motivo, o documentário Sinatra: All or Nothing at All parece ser ideal para aquele momento. Começo a assistir à primeira parte do documentário e pouco tempo depois a minha avó, que parecia já estar dormindo, abre os olhos e, juntas, passamos a seguir a história. À medida que a narrativa vai se desenrolando e que os anos e décadas que contêm os acontecimentos que constituíram a vida de Frank Sinatra vão passando, minha avó começa timidamente a fazer observações, os fatos do mundo e da carreira de um dos maiores cantores de todos os tempos se misturando àqueles de sua própria vida, como a dificuldade para conseguir farinha de trigo durante a Segunda Guerra Mundial, o que a levava a fazer pão com farinha de milho, a situação na fábrica de tecidos onde ela trabalhava e o dia da chegada dos pracinhas brasileiros na principal rua da minha cidade natal após o término da guerra, os hábitos, os costumes e o moralismo que vigiam nos anos 40. Ao ver os penteados e os cortes dos vestidos das mulheres, minha avó relembrou seus próprios penteados e contou que as mulheres chegavam a usar o mesmo cabelo, arrumado e armado com palha de aço por dentro dos rolos de cabelo que faziam parte do penteado, por uma semana inteira, e roupas, frisando a proibição do uso de calça. Mulher não usava calça. A tecnologia entra em pauta e minha avó detalha o vagaroso e hoje inimaginável processo de comunicação por meio do telefone há aproximadamente seis décadas, fala sobre a ausência da televisão e sobre a sua chegada. Comenta que, naquela época, os teatros e cinemas ficavam lotados, menciona as matinês frequentadas pela minha mãe e pelo meu tio, que eram levados por minha tia-avó, que, a propósito, presenteou todas as suas gerações de sobrinhos com sua autenticidade, liberdade de pensamento e com livros, filmes, passeios e mimos diversos.

Mas, não pense que parou por aí; a certa altura do campeonato, minha mãe, a mais tecnológica das três, juntou-se a nós novamente e, alternando entre o celular e eu e minha avó, passou a fazer pequenas intervenções na conversa, colocando ainda mais lenha no fogo da memória da D. Cida, que, a despeito de todo o brilho de Sinatra, roubou a cena naquela tarde de domingo.

O resultado é que Sinatra: All or Nothing at All, foi, sem dúvida, a melhor escolha para aquele momento, não somente por ser impecável do ponto de vista documental, mas por ter me proporcionado uma das tardes mais acolhedoras e agradáveis dos últimos tempos. Obrigada, vovó, obrigada, Frank.

P.S.: Para saber mais sobre o documentário, clique aqui.

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