terça-feira, 4 de setembro de 2018

Só o cheiro

"Doido desejo chupando dedo num beco
Cheio de bêbados, trêbados
Chutando os prédios, pregando prego no prego
Réu da razão, do súplice cuspe fútil
Nessa estrada cariada
Só você é o meio-fio de luz
Contramão sinalizada
No mapa do meu nada
Canção emocionada
Trajeto por teus fios"

Mapa do Meu Nada, Carlinhos Brown


"Só o cheiro do seu cheiro
Não consegue me deixar mais em paz
Nos ares dos lugares
Onde passo e onde nunca estás

(...)

Só o cheiro do seu cheiro
Não consegue ser tão fugaz
Nas pessoas, peles colos
Sexo, bocas, onde nunca estás

(...)

Só o cheiro do seu cheiro
Não consigo deixar para trás
Impregnado o dia inteiro
Nessa roupa que eu não tiro mais"

          Um Branco, Um Xis, Um Zero, Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Pepeu Gomes


Acelero quando ouço na voz da Cássia Eller a lembrança do beco cego que o meu desejo atravessa levado pelo cheiro de um instante que eu não alcanço mais.

Beco que é também labirinto de odores tóxicos e de velhos caminhos deslizantes que, vistos da borda de uma subjetividade flutuante, levam ao buraco do medo e da confusão.

Movida pelo vazio daquilo que se repete, levanto e passo a delinear com linhas mais precisas as formas do meu emaranhado particular, num contorno que se revela em susto no imprevisível instante das linhas da estrada ou da ponta do lápis.

Só não há susto quando escorrego e minhas mãos, que nunca foram hábeis, deixam escapar para além do desenho que tenta se definir os traços da minha pequena ousadia. Apago a marca do que risca mas sou presa do cheiro que me pulsiona.

Recusar-se nunca é pouco.

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