"Devo confessar que a psicanálise, quando eu soube algo a respeito dela por volta dos dezesseis anos, me assustou e ainda me assusta. Eu sei por quê. Ela nos induz a lançar o olhar muito longe, para além de qualquer ordem constituída, e, quando o raio visual volta a ser o de sempre, nada é mais como antes, qualquer outro discurso parece uma máscara de palavras vestida para esconder a angústia. Naturalmente é um susto que me seduz; do discurso psicanalítico, gosto sobretudo da desfaçatez visionária, da potência corrosiva escondida atrás da promessa terapêutica. Quanto ao resto, pertenço ao grupo dos duvidosos. É terapia, é taumaturgia? Nunca fiz análise. Mas é raro que alguém se salve de um patamar oscilante no alto de um edifício atirando-se no vão das escadas.
Gostei muito de Freud, que li bastante: acho que ele sabia mais do que seus seguidores que a psicanálise é o léxico do precipício."
Elena Ferrante em Frantumaglia
"There is a crack, a crack in everything
That´s how the light gets in."
Leonard Cohen, Anthem
A propósito do estudo da psicanálise, uma amiga me perguntou, durante uma pausa no trabalho, se ao fazer análise como parte da minha formação eu não tinha medo de "sair da casinha". À pergunta, lançada em meio a rosquinhas e waffles, reagi com um riso involuntário que, visto em retrospecto, parecia conter um misto de nervosismo e de constrangimento, e com um reflexo não, não tenho.
Mais tarde, porém, a caminho de casa, percebi que minha resposta, ainda que sincera, não era verdadeira.
A verdade é que eu morro de medo de sair da casa que me contém e que as vertigens que sinto quando olho para as luzes e as sombras dos abismos que me habitam, principalmente para aquelas, poderiam fazer com que eu passasse a eternidade girando ao redor do meu próprio eixo, num movimento sintomático de estagnação não aparente.
O que muda, no meu caso, com a análise, talvez seja a possibilidade, para além de qualquer vertigem, de me colocar na beira do precipício e dali ousar estender o corpo na direção das luzes que me ofuscam e das sombras que me envolvem e que não raro me comprimem no meio de madrugadas tornadas insones; a possibilidade de, num instante de estabilidade oscilante, tocar com as pontas dos dedos o rosto do desejo que me assusta para, recobrada da surpresa, fazer do que me ofusca o que me aquece e do que me envolve o que me ampara.
Léxico que me entrega o mapa do desejo, é na borda do precipício da psicanálise, entre vertigens e oscilações, que eu, que sempre temi alturas, hoje encontro o meu lugar.
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