sábado, 2 de novembro de 2019

Uma pausa de mil compassos

A morte é o maior dos fracassos e a vida, não por alguma coincidência, no mais das vezes, é de fracassos que se trata.

Digo com frequência, por exemplo, que a minha vida não é publicável nas redes sociais, pois ela não é o tempo todo feita de acontecimentos esfuziantes e especialíssimos. Pelo contrário, minha vida é de uma banalidade ímpar e aquilo que me singulariza e ampara e que talvez seja a única coisa passível de algum interesse para o resto do mundo não pode ser transliterada numa foto, seja ela sorridente ou não.

Minha vida, real, é um nó de fracassos inconscientes e de alguns sucessos aparentes e eu começo os meus quarenta e um anos fracassando, sem o grande amor da minha vida e com uma vértebra fraturada. Ela se foi e, com ela, uma parte do eixo que me mantém em pé. Literalmente quebrada pelo maior e mais emblemático signo da impotência humana, a morte.

A propósito, jamais alguém me fez entender o ininteligível da morte como ela. O fracasso maior de viver sem saber nada do que é morrer, de saber que se morre e de mesmo assim nunca estar preparado para o morrer. Quem está vivo nunca morreu e a morte, para os vivos, é palavra vazia, é muro que devolve para quem o olha ou esbarra contra ele o desamparo ou a negação da impotência mas, jamais, o significado do concreto com que foi erigido. A morte, como ouço reverberar na pele do divã, não tem representação simbólica. É o corte que ainda não aconteceu e que não tem, dentro de mim, o que me faça entender o que ele é. É o mais absoluto fracasso da onipotência, o sucesso mais contundente da impotência. O limite ao qual até a mais delirante das criaturas, aquela que não se enxerga frágil e incompleta, está sujeita.

Ela se foi e nada do que vinha me atravessando pôde me poupar do trauma da desaparição. Puf. E não tem mais ela. O que sobra de nós é a história do melhor encontro do mundo e o que sobra de mim é uma fratura que não pode ser exposta por não haver palavras para tanto.

Pensamentos relacionados, contudo, não me faltam, e tenho pensado que do fracasso real, concreto e inescapável da morte à necessidade desesperada de escamotear os fracassos da vida cotidiana, seja com a construção de um avatar que leva uma vida perfeita nas redes sociais ou com a verborragia de quem efetivamente nada tem a dizer, é só um pulinho.

Mas, se a morte, como realidade, se impõe a todos nós, a vida também o faz. Não há vida sem morte, ou seja, sem perdas, fracassos, fraquezas, assim como também não há morte sem vida. Para morrer é preciso estar vivo, é preciso estar no tempo e no espaço, é preciso ser, também, concreto. Ter um corpo ou dar um corpo para o que se tem, sabendo que o que se tem nem sempre ou quase nunca é aquilo que idealmente se gostaria de ter. A vida, real, é feita do difícil de não poder ter tudo.

A vida é, no mais das vezes, de fracassos que se trata.


P.S.: O título deste texto é um verso da música Para ver as meninas, de Paulinho da Viola.

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