A rua é aquela que se repete. A servidão de passagem, a galeria. Os buracos que são as portas dos outros mundos que existem lá. A porta em forma de arco, os espinhos plantados no canteiro de pastilhas azuis que se estende da calçada até o fim do comprido passeio. Na calçada, outro buraco, outra porta em forma de arco, maior que aquela que fica na servidão. Paredes brancas, detalhes azuis cor de azulejo português. Carros estacionados em vagas de quarenta e cinco graus. Há vagas sobrando? A lateral da igreja em amarelo sépia descascado. Toda a cena tem sempre uma pincelada de sépia, nada é tão translúcido assim. Esse sonho se concentra em uma extremidade da rua. Há outros onde o meio é o cenário. A outra extremidade raramente aparece. Na de agora, há poucas pessoas fora. Eu sei que elas estão nos buracos, mas fora, só eu transito. Eu e aquele que divide a cena comigo. Há um passeio com ele e a certa altura uma bifurcação. Eu digo, agora vou por aqui e você vai por ali. Então é mesmo assim? É, você sabe que é.
Outra cena, frenesi de pessoas que eu não vejo. Há duas com as quais interajo e que interagem entre si, mas não sei o que dizem, não sei o que eu digo. De repente a Gigi está ali em meio àquela confusão difusa, a algo que se agita e que eu não consigo discernir. Ela pisa num filhote, primeiro com uma pata, depois com a outra. O filhote chora, grita, e ela parece não perceber o que está acontecendo. Depois, outro filhote. De novo, ela parece alheia. E então ela está muito próxima, deitada, e eu olho para ela e a toco com a minha mão esquerda. No início sinto a textura do pelo macio e quase posso sentir o cheiro de pelúcia que era o dela. Mas logo em seguida percebo que há algo errado. O pelo solto fica grudento e, ao tocá-lo, eu sei que há sangue, que agora vejo seco e escuro ao longo dos fios amarelos. O corpo está diferente e o olhar é ausente e parece morto de pavor dentro das órbitas. Ela olha através de mim e não sabe que estou ali. Ela não é a Gigi. Ela não me vê.
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