segunda-feira, 8 de junho de 2020

Interlúdio ou hunting high and low

Tem sido assim nos últimos dias, ela acorda e se surpreende com o fato de haver sol lá fora. Sol? Mas não era assim que estava escrito nos inúmeros livros de ficção científica que ela leu, tampouco nos filmes. Neles, tudo era estrela, espaço cósmico, noite eterna, luz artificial, chamas, fumaça, escuridão. O Sol era visto do espaço ou de uma Terra já morta de luz natural. Ela abre os olhos, depois a janela do quarto e anda até a sala, onde a luz invade a intimidade das suas cores high and low. Desconfiada, ela vê o contraste entre o azul infinito do céu e a luz incandescente que entra manchando o tapete com suas linhas retas e tenta ajustar os planos. Como sincronizar o que está para além dos vidros da sacada com a luz natural que invade o seu mundo particular e que é a mesma que existia no mundo de antes, onde a ficção era só científica? Como é possível ler Joyce no café da manhã com o mesmo prazer descontraído de quem um dia leu uma montanha mágica de livros nesse mesmo momento de regozijo intelectual que se repete diariamente e ao qual o cheiro do café e o frescor do pensamento ainda meio molinho dão um tom de conforto incomparável? Momento no qual, por anos a fio, o sol, quando presente, se mostrou como um elemento integrante da cena e não como um estranho. Ainda assim ela lê e sente a beleza das palavras, misturadas ao gosto e ao cheiro do café, a invadir. Uma pequena felicidade brota no seu interior e ela evita olhar para o horizonte, onde, ela sabe, um muro de luz e vidro trarão de volta a pergunta em suspensão. Como é possível que ainda haja sol lá fora?

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