terça-feira, 24 de novembro de 2020

Thelma ou Louise?

Logo no início da quarentena, do qual alguns meses já nos separam, assisti a Thelma & Louise, filme que por sua vez estava separado de mim por décadas de distância, sendo eu, na ponta de um dos fios desse tempo, ainda adolescente.

A exibição do filme fazia parte de um debate: primeiro a história, depois a conversa, que, no início, resvalou no tema da maternidade, mais precisamente numa especulação sobre a impossibilidade da realização da viagem que constitui um dos elementos do roteiro do filme caso Thelma e Louise tivessem filhos. Embora o debate não tenha se estendido nessa direção, achei o fato curioso e fiquei me perguntando o que um filme sobre duas amigas que não têm filhos e que saem numa road trip nada convencional teria a ver com maternidade.

A resposta é óbvia e confesso que esse tipo de silogismo invariavelmente me incomoda. A questão é que parece quase impossível pensar o feminino sem associá-lo à maternidade, de maneira que um filme sobre duas mulheres, seja qual for o roteiro, tem grandes chances de suscitar algum debate sobre maternidade, ou seja, tem grandes chances de cair num lugar-comum. O problema é que o desejo, sejam quais forem os seus clichês individuais, não cabe num lugar-comum. Ele é bem mais, e também bem menos, que isso.

Penso que Thelma & Louise é um filme que não tem rigorosamente nada a ver com maternidade, não havendo nada ali que diga respeito ao tema, inclusive e principalmente o gênero das protagonistas. É um filme sobre transgressão, liberdade e sobre um dos aspectos mais enigmáticos do feminino, que é a amizade entre duas mulheres.

E a amizade de Thelma e de Louise é daquelas amizades femininas raras, onde a rivalidade cede para o amor, onde a liberdade mútua de transgredir seja lá o que for leva à cumplicidade, onde não há julgamentos.

Quando assisti ao filme pela primeira vez eu não sabia o que era isso. Não como agora, nesse quando de vida que às vezes é tão duro e que magicamente amolece com as rodadas do chá quente que ela prepara ou com as risadas que acompanham as nossas pequenas transgressões.

Durante o filme eu pensava se encontraria nele tudo aquilo que me atravessava daquela forma certeira naquele momento se eu não tivesse tido a chance de viver esse amor em forma de amizade. Também me perguntava se aquele roteiro me levaria aos mesmos pensamentos caso eu mesma já não tivesse passado por algumas travessias em forma de viagens.

Porque, em Thelma & Louise, a viagem parece ser uma metáfora para uma travessia pessoal, para um encontro com o desejo, uma travessia na qual ambas estão sozinhas, mas lado a lado. Thelma e Louise são tudo, menos lugar-comum, pois o que pode haver de mais extraordinário na existência de uma pessoa é o encontro que, para elas, se dá ali, no precipício do desejo. 

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