domingo, 7 de junho de 2009

Budapeste: o livro, a cidade, o filme

Quando li Budapeste, o romance de Chico Buarque, fiquei tão extraordinariamente abalada e envolvida por ele que tomei uma decisão: assim que possível, iria a Budapeste.

Claro que antes da leitura a Hungria já figurava nos meus planos de viagem (praticamente todos os lugares do mundo fazem parte deles), mas, depois do livro do Chico, acabei elegendo a capital húngara como uma das minhas prioridades.

Poucos anos depois, parto para um rolê pela Europa e, mesmo com Paris, Praga, Berlin, Roma, Londres, Viena e algumas outras na programação, a chegada a Budapeste era o momento mais aguardado da viagem, aquele no qual eu havia depositado as maiores expectativas.

Num domingo à noite, eu e uma amiga, a Smith, embarcamos em Praga num trem com destino a Budapeste, onde chegaríamos na manhã do dia seguinte; infelizmente, tivemos um contratempo no caminho (relatado aqui), o qual, no fim das contas, fez com que pisássemos pela primeira vez na capital da Hungria com um certo mau-humor.

Saímos da estação de trem e pegamos um ônibus até a casa do nosso anfitrião (membro do Couchsurfing), em Peste (Budapeste é basicamente dividida pelo Rio Danúbio em duas partes, Buda e Peste), e, como chegamos à porta do nosso lar temporário antes do horário solicitado pela pessoa que iria nos hospedar, tentamos encontrar um café onde pudéssemos comer e nos abrigar do frio; como não havia nenhum aberto, ficamos fazendo hora numa pracinha que, apesar de não muito simpática, era próxima dali e tinha uma espécie de mercadinho, bastante providencial naquela circunstância.

Rua de Peste

Edifício em Peste

Na hora marcada, fomos recebidas pelo anfitrião e, algum tempo depois, saímos para flanar pela cidade. Não demorou muito para a neve começar a cair sem trégua e para nós percebermos que o melhor mesmo era entrar num café ou restaurante e passar um tempo ali. Mais tarde, com o céu escuro, acabamos encarando o tempo ruim e arriscamos uma travessia do Danúbio pela Ponte de Széchenyi. Do outro lado do rio, em Buda, bastaram alguns metros de caminhada para resolvermos voltar para casa.

Peste, em frente à Ópera

Ópera em Peste

Edifício em Peste

Praça em Peste

Ponte de Széchenyi sobre o Rio Danúbio

Não consegui dormir direito à noite e, na manhã da terça-feira, achei que seria bom para a minha saúde mental aguardar o momento do meu embarque para Barcelona - que aconteceria somente no dia seguinte - num lugar só meu, já que a Smith partiria naquela tarde. Assim, reservei um apartamento legalzinho pelo Booking.com e nos mudamos para lá na mesma hora, a Smith só até a hora de ir para o aeroporto.

Resolvida a minha questão pessoal, pegamos o metrô até Buda, onde a nossa sorte mudou. Não nevava mais e, no caminho para o castelo, vimos uma velhinha fofa subindo uma escadaria imensa com uma sacola pesadíssima e, claro, fomos até ela e oferecemos ajuda. Embora a velhinha só falasse húngaro, nos comunicamos relativamente bem (ela disse ter algo em torno de noventa anos). Ao chegarmos à porta do edifício onde ela morava, fez com que entrássemos nele e, lá, embarcou conosco num elevador cujas portas abriram num andar com saída para a rua acima da escadaria, providenciando, assim, para que não tivéssemos que subir mais e mais lances de escada. Tiramos uma foto, ela nos beijou e, emocionadas, nos despedimos, após ela nos indicar o caminho para o castelo.

Escadaria que leva ao castelo, em Buda

Mais felizes, passeamos por Buda, admiramos o Danúbio, tiramos fotos, enfim, fizemos um turismo básico pelo local, mas, no fundo, creio que ambas estávamos sentindo algo estranho com relação à cidade.

Rua de Buda

Castelo de Buda

Castelo de Buda

Fishermen's Bastion, em Buda

Vista do Parlamento Húngaro

Rua de Buda

A Smith se foi e, novamente em Peste, depois de andar mais um pouco pelas ruas, de comprar band-aids numa farmácia e entrar num ciber café, fui para o meu apartamento quentinho e, pela primeira vez em muitos dias (talvez meses), liguei a TV e fiquei ouvindo o zunzum da CNN até adormecer, com as luzes acesas.

Na quarta-feira, embora embarcasse no meio da tarde, não acordei cedo para fazer turismo e, depois de conversar um pouco com o administrador do apartamento - que passou todas as coordenadas possíveis para que eu chegasse sã e salva ao aeroporto, encarregando-se, inclusive, de verificar qual era o terminal do meu voo -, rumei para o aeroporto. No caminho, muitas viaturas de polícia e, no próprio aeroporto, policiais interditando uma parte do local. Foi só quando avistei Barcelona pela janela do avião que saí do estado de tensão e comecei a relaxar um pouco.

Posteriormente, pensando sobre a ida a Budapeste e sobre o que me dissera o administrador do apartamento onde me hospedei a respeito da origem de seu povo, percebi que os pequenos transtornos ocorridos por lá não haviam sido os responsáveis pelo meu estranhamento. Budapeste foi, sem dúvida, o único lugar do mundo (e da Europa, principalmente) onde, até hoje, senti medo sem que houvesse uma razão palpável (e creio que, de fato, não exista nenhuma). Não me arrependo nem por um segundo de ter ido e vou voltar, para tirar a teima. Mas, de qualquer forma, como me disse o rapaz do apartamento (cujo nome não me lembro), o povo húngaro é descendente dos mongóis e tanto a sua língua quanto a sua cultura são completamente diferentes das dos países que o cercam. Apesar da proximidade, na essência, húngaros não têm nada a ver com tchecos, poloneses ou romenos. No meu caso, enquanto em Praga me senti absolutamente em casa, penso que, para definir o meu estado de espírito em Budapeste, não há expressão mais apropriada que o nome do meu filme preferido, ou seja, me vi completamente "lost in translation" na cidade que empresta seu nome ao romance de Chico Buarque.

Recentemente, em São Paulo, fui assistir ao Budapeste, filme de Walter Carvalho, e, assim, como contei os minutos para ir embora de Budapeste, a certa altura da sessão comecei a desejar que cada uma das cenas fosse a última, para que eu pudesse sair logo dali.

Por favor, não me entenda mal. O filme é bom e vale pelas imagens de Budapeste, mas, assim como da minha estada na cidade, o que sobrou do filme foi uma mistura de angústia e de estranhamento, com uma dose de opressão.

No fim das contas, o livro continua na minha lista dos melhores do mundo e o filme eu provavelmente não vou ver de novo. Agora, a cidade, definitivamente, é uma história inacabada e, nesse ponto, me sinto um pouco como o protagonista de Budapeste. Em todo caso, quando voltar pra lá, prometo que conto como tudo terminou.

P.S.1 Mais sobre terminais de aeroportos na Europa, especificamente os de Budapeste, aqui.

P.S.2 Para saber mais sobre a Hungria, recomendo os romances do escritor húngaro Sándor Márai.

P.S.3 Se for a Budapeste, sugiro que se hospede em Buda (farei isso na próxima visita).

P.S.4 Todas as fotos deste post são minhas.

2 comentários:

  1. As suas palavras traduzem o que foi Budapeste para mim também...obviamente no meu caso, com pitadas a mais de nervosismo e mau humor (vc lembra né...)
    De qq forma...não me arrependo...JAMAIS!
    bjos

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  2. Smithinha, vamos voltar para tirar a teima (e ver as landscapes que ficaram de fora?)? :) Beijos

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