sábado, 18 de fevereiro de 2017

Bye bye zona de conforto

Tomar iniciativas nem sempre é fácil, não é mesmo? E mais difícil ainda se você não tem consciência de que precisa agir.

Foi exatamente o que aconteceu comigo nesta semana. Tudo parecia bem e, de fato, estava. Porém, na manhã de um determinado dia, após uma conversa com amigas onde o assunto surgiu en passant, decidi que iria, depois de muitos meses longe da bicicleta, pedalar naquela noite. Fiz uma rápida busca na internet e encontrei um grupo de pedal noturno que, aparentemente, era perfeito. Terminado o dia, ressuscitei minha bike e lá fomos nós.

Pouco tempo após começar a pedalar com o grupo percebi que, apesar da ótima recepção e de tudo estar correndo bem, eu estava um pouco incomodada e ligeiramente tensa, sem que, no entanto, repito, houvesse qualquer motivo objetivo para dramas. Subitamente, então, veio o clique: eu tinha saído da minha zona de conforto e, obviamente, alguma coisa em mim não estava gostando nada daquilo.

A partir daí, consciente do que estava acontecendo, respirei e procurei relaxar. Durante o passeio, percebi mais uma coisa: eu não só estava me divertindo como também estava sentindo algo que há tempos não sentia. Após pedalar uns bons quilômetros concentrada apenas nas exigências requeridas pelo pedal, minha mente naturalmente falante estava quietinha, meu corpo estava presente, vivo, e eu sentia uma felicidade tranquila e genuína que, aliás, perdurou por todo o dia seguinte. Naquela mesma noite, chegando em casa, outro clique: eu precisava sair da minha zona de conforto e fazer aquilo, porém, até aquele momento, eu não tinha consciência disso.

Basicamente, eu estava presa à ideia de uma condição anterior, de lesões e de desilusões. Eu estava de bode. E, embora essa condição já estivesse superada, eu insistia nela, pois não tinha consciência da superação. A consciência só veio quando eu agi, muito embora, acredito, ela já estivesse latente em mim, faltando apenas um empurrãozinho para que finalmente saísse do seu esconderijo e desse as caras.

Creio que a consciência, ou seja, a chave para abrir as portas das salinhas escuras e monótonas onde estão localizadas as nossas muitas zonas de conforto, já esteja dentro de nós, mas, nem sempre, muito acessível. Eventualmente, é preciso um empurrão ou algum outro ajuste, vindo de fora ou de dentro, para que a consciência se manifeste e abra as portas das salinhas escuras.

No exemplo acima, uma pergunta inócua feita por uma amiga durante uma conversa despreocupada foi o suficiente para cutucar aquela consciência latente e, consequentemente, para fazer com que eu me mobilizasse; em outras situações, confesso (e foram muitas), eu mesma dei um pontapé no meu traseiro e me obriguei a fazer coisas que me colocaram numa situação desconfortável antes ou durante o processo, mas que, ao fim e ao cabo, resultaram em experiências prazerosas, necessárias ou úteis.

Por exemplo, como é praticamente de conhecimento geral, eu adoro viajar. Mas, antes de cada viagem, eu sinto um frio no estômago e isso só piora com o passar dos anos. Claro que uma viagem para a praia com as minhas amigas não tem esse efeito, mas, saber que vou desembarcar, muitas vezes sozinha, em outro país, pode até me fazer perder o ar durante uma ou duas madrugadas. Mesmo assim, eu vou, já que sei que a ansiedade vai se desfazer assim que eu colocar os pés no aeroporto e que, invariavelmente, a viagem acabará sendo um sucesso. Ou seja, eu tenho consciência de que o frio no estômago e a falta de ar são apenas truques arquitetados pelo meu monstro do medo (não se iluda, pois todo mundo tem o seu), que não quer que eu o deixe em casa sozinho enquanto saio por aí para conhecer lugares e pessoas diferentes e para viver experiências distintas daquelas oferecidas pelo meu cotidiano.

Outro exemplo pessoal clássico diz respeito ao ato de dirigir. Basicamente, eu odiava dirigir. Eu dirigia mal e era insegura. Minha mãe, a super mulher que super dirige incrivelmente bem não tinha condições de andar dentro de um carro comigo sem gritar o tempo todo. Nasci e cresci no interior e aprendi a dirigir por lá. Pois bem. Quando finalmente comprei um carro, eu já morava em São Paulo há alguns anos, mas não dirigia por aqui. Quando comecei a fazê-lo, sentia pânico, tinha calafrios e suava em bicas; ficava confusa, queria chorar e ao mesmo tempo pedir por favor para as pessoas serem mais legais e mais gentis e para as motos sumirem da face da Terra. Mesmo com todo esse perrengue, não desisti do carro, pois sabia que o fato de conseguir dirigir decentemente (ou seja, com segurança e sem pânico) faria de mim uma pessoa mais independente. Por anos a fio, o monstro do medo esteve ao meu lado, confortavelmente acomodado no banco do passageiro. A princípio, eu o olhava quase em prantos (sim, era um drama); depois, com uma certa revolta. Tivemos inclusive a fase da comédia, quando eu não conseguia mais deixar de rir do meu próprio medo, que, a propósito, não tem senso de humor. Até que, por fim, desgastada a relação (especialmente pelas piadas), chegamos à indiferença e, agora, não só dirijo sem monstrinhos imaginários dentro do carro como também ouço música, canto, como uma fruta, bebo água, converso e até me divirto dirigindo! Porém, isso só foi possível porque eu queria ser uma pessoa totalmente independente e tinha consciência de que, para tanto, era importante saber dirigir.

Último exemplo: este blog. Quando comecei a escrever, eu morria de vergonha. Ao publicar um post, ondas de calor percorriam meu corpo e eu sentia o meu rosto corar. Objetivamente falando, eu tinha um medo brutal da exposição. Porque escrever é se expor. Tinha medo de estar sendo ridícula, de parecer arrogante, de não estar sendo inteligível. O monstro do medo estava lá o tempo todo, gritando nas minhas orelhas. No início, claro, fiquei acuada, mas, com o tempo, percebi que, mais uma vez, o monstro estava levando tudo muito a sério e fazendo o maior drama (caso não tenha ficado claro, o drama é o principal recurso do tal monstrinho). Foi nesse ponto que um detalhe que até então passara despercebido acabou se revelando: não há espaço para drama neste blog, cuja única função é ser um meio para que eu possa fazer uma das coisas que mais gosto de fazer nessa vida, ou seja, escrever. Portanto, não fazia o menor sentido sofrer em função destes pensamentos inadequados! Uma vez consciente desse fato, parei de corar e de me preocupar e, hoje, simplesmente escrevo.

Sobre o medo, aliás, a escritora norte-americana Elizabeth Gilbert (sim, a famosa autora de Comer, Rezar, Amar), em seu último livro, Grande Magia: Vida criativa sem medo, conta que, até a adolescência, era extremamente medrosa e que, quando criança, muito provavelmente adoraria ter tido uma mãe que a colocasse sob as suas asas. Contudo, ao que parece, sua mãe não possuía uma única célula condescendente em seu corpo e não tolerava uma vírgula do drama da filha (que tinha medo de tudo), forçando Elizabeth a fazer as coisas que ela mais temia. Por motivos óbvios, Gilbert confessa que essa foi possivelmente a melhor coisa que poderia ter-lhe acontecido, afinal, dá pra imaginar a protagonista de Comer, Rezar, Amar como um ser humano medroso e chorão?

Agora, por favor, peço que ninguém me entenda mal. Não estou dizendo que as pessoas devem abandonar os seus monstrinhos do medo para saírem por aí fazendo todo tipo de coisas que antes as assustava. Não é nada disso! O grande lance é manter o monstrinho vivo (já que em muitas situações ele é a melhor companhia que alguém poderia almejar), porém, sob controle, de forma que ele se manifeste apenas quando realmente for necessário. Do contrário, o medo certamente tomará todo o espaço disponível em nossas mentes com bobagens inúteis, obnubilando nossa consciência. Quanto mais falante for o monstrinho, mais distração e confusão ele trará com o seu blá-blá-blá incessante, menos clara e distinta será a nossa percepção da realidade e de nós mesmos e mais difícil será tomar iniciativas transformadoras e construtivas em nossas vidas.

2 comentários:

  1. Camila, também já tive (e tenho) meu monstrinhos... e é por aí, mesmo... adestrar o bichinho...
    Também li os livros da Elizabeth Gilbert que vc citou. Eu adoro a forma como ela escreve e como enfrenta os próprios medos.

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    1. Também gosto muito da Elizabeth Gilbert, Gi. Ela sempre me inspira. A leitura do "Grande Magia: Vida criativa sem medo" foi, inclusive, uma das coisas que me motivaram a voltar a escrever. Outra foi uma frase do Barack Obama numa entrevista publicada pela Folha de São Paulo, onde ele diz que "o que une as pessoas para compartilharem a coragem de entrar em ação para mudar suas vidas não é apenas o fato de se importarem com os mesmos problemas, mas de terem histórias compartilhadas".

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