Mas eu sabia perfeitamente que esse não fora o verdadeiro motivo. O motivo havia sido um gesto sem sentido, sobre o qual, justamente por ser sem sentido, decidi não contar a ninguém. As coisas mais difíceis de falar são as que nós mesmos não conseguimos entender.
Elena Ferrante, A filha perdida
Venho pensando nisso desde ontem, quando li A filha perdida de um só fôlego, nas coisas que nós não conseguimos entender e que por isso mesmo são as mais difíceis de falar.
Acho muito difícil falar. Usar o tom certo, dizer verdades cortantes sem machucar, encontrar as palavras que transmitam de maneira inequívoca o que sinto e o que penso, falar de mim sem lacunas e sem recuar.
Após uma conversa tenho quase sempre a impressão de que algo ficou pelo caminho, de que alguma coisa se sobrepôs a outra, como se uma vez ditas as palavras escorregassem pelo abismo do intangível e do irrecuperável.
A certa altura de A amiga genial (primeiro livro da série napolitana), a mesma Elena Ferrante menciona "as escórias de quando se fala" e a "confusão oral", expressões com as quais me identifiquei de imediato, eu, que não consigo livrar minha fala do supérfluo e ordená-la na ordem exata do meu raciocínio.
Mais difícil ainda quando se trata de coisas que não consigo entender. Nesse caso, toda a escória da oralidade se manifesta, arrasando qualquer intenção de honestidade e de coerência. Falar chega a me fazer mal.
Muito melhor é escrever. Escritas as palavras não só expressam o que deveriam como também se alinham na ordem exata do meu raciocínio, dando a cadência certa para o pensamento. Na tela ou no papel, há a proteção do tangível, como um anteparo entre mim e o outro ou como uma garantia de que nenhuma palavra ou intenção irá se perder. Aqui não há lacunas nem recuos, há somente eu.
Essa é a Camilinha.... tem o dom da escrita e do pensamento.
ResponderExcluirPrincipalmente dos pensamentos inadequados, Rê. Porque há dias nos quais eu sou uma bagunça completa!
ExcluirEu discordo em relação à inexatidão ou obscuridade do falar. Falar é diferente. É injusto comparar a escrita e a oratória. O texto escrito, por mais que flua linear, é frequentemente construído ao longo de camadas sobrepostas de leituras e releituras. Pequenas sutilezas assim se sobrepõem a cada revisão. Ajeita-se a ordem, repensa-se a cadência insere-se um detalhe crucial... deixando assim sublime o que já era claro. Somente isso já torna quase desonesto comparar o falar e o escrever - não se pode revisar a fala. Nesse sentido, falar com lógica cortante e estruturada, quase que com a sutileza da escrita e revelando graus de complexidade até então desapercebidos pelo ouvinte, é um dom raro.
ResponderExcluirR.