segunda-feira, 8 de maio de 2023

Então eu chorei

Eu vinha há tanto tempo pensando em chorar, até que então eu chorei. Mas sem pensar. As lágrimas simplesmente escorreram, tais quais as palavras simples de Natalia Ginzburg que as fizeram brotar. As pequenas virtudes, o último ensaio do livro de mesmo nome, termina com palavras que fazem chorar não tanto pelas pequenas, mas principalmente pela grande virtude.

Chorei pelo tempo que ainda tenho para deixar de me trair; chorei pelo espaço e pelo silêncio que me foram roubados nos últimos meses; chorei por saber que, por mais doloroso que seja sofrer uma injustiça, muito pior é cometê-la; chorei por já ter percebido que na vida há poucas recompensas para os esforços e quase nenhuma punição para a crueldade, a perfídia, o cinismo e a mentira. Chorei pelo sofrimento de quem não pode mais do que chorar e latir, de quem jamais abraçará e receberá o abraço e o beijo de seu pai humano como vi acontecer hoje com o cão Vitório Augusto na rua da minha casa, pela qual também chorei. Chorei pela avareza, pela pobreza de espírito, pela pequenez do quintal no qual vi uma cidade se transformar. A cidade onde eu moro não passa de um pequeno quintal cercado por muros tristes e desbotados, dentro dos quais os seus habitantes se protegem, com falsa moral e ladainha religiosa, da liberdade de uma vida estrangeira.

Eu vinha há tanto tempo pensando em chorar, mas não tinha coragem. Estava, como se costuma dizer, sem coragem. Então ontem a lembrança de um livro veio junto da memória da exclamação que precedeu a inscrição da dedicatória do seu autor. Coragem!, foi-me dito, olhos brilhantes e curiosos encarando os meus. A coragem, então, veio antes das lágrimas.

Foi a minha mãe quem me fez lembrar do livro e foi nela em quem eu pensei do início ao fim enquanto lia o ensaio e comparava as pequenas às grandes virtudes. A minha mãe, pude então constatar, é uma pessoa afeita às grandes virtudes. Quem tem e não gasta não merece ter, eu a ouço dizer com frequência dentro da minha cabeça; nela, na minha mãe, nunca vi a palavra mesquinhez. Dela sempre ouvi, a vida é boa; é difícil, mas é boa. Dela ouço o imperativo insistente do verbo, escreva, escreva, escreva. Ela nunca me recompensou pela execução das tarefas domésticas ou dos meus deveres escolares; nunca sentou comigo para estudar, nunca fingiu que a vida seria, para mim ou para qualquer outra pessoa, algo que ela sabia que a vida não é. A vida dela não foi fácil, mas ela não abandonou a sua vocação. Apesar de todos os seus pedaços mortos e da mãe que ela só tem agora nas nossas lembranças, a minha mãe é, com tudo dela que lhe foi tirado, inteira. A minha mãe é toda amor.

Então eu chorei com a palavra amor.

Sorocaba, 6 de maio de 2023.

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