domingo, 17 de maio de 2020

Fleur

Fim de tarde em Paris. Faminta, ela entra numa pequena padaria e se senta junto a um balcão estreito e vazio do qual é possível, pela parede de vidro à sua frente, observar o ir e vir das pessoas nas calçadas. Escolhe uma das extremidades do balcão onde, à sua direita, uma flor vermelha, falsa ou verdadeira ela não saberia dizer, preenche um vaso de latão longo e estreito postado no chão.

Logo depois entra na padaria uma mãe e seu filho, ele atrás dela. Ao pisar no estabelecimento, o garotinho, de uns seis anos, pele muito branca e cabelos negros, emite seu cumprimento em alto e bom som, bonjour!!!

A mãe vai até o balcão principal para cuidar do pedido enquanto o menino, aproximando-se dela com decisão e altivez, aponta para o vaso e dispara, fleur! Surpresa, ela devolve, fleur. Ele balança a cabeça de maneira enérgica e, ainda apontando para o vaso, repete, com a típica desenvoltura de um parisiense de seis anos que sabe o que (e como) diz, f l e u r. Esforçando-se para não decepcioná-lo, ela se prepara e repete, fazendo o melhor que pode, fleur. Ele abana a cabeça mais uma vez, com mais energia, e diz, f l e e e u r. Ela titubeia e tenta reproduzir com todas as nuances especificadas por ele a palavra fleur. Ele olha para a flor, olha para ela, e diz, em caráter definitivo, fleur.

Sem desviar os olhos, ele ouve as ameaças de abandono da mãe, agora vindas da calçada. Num giro rápido, volta-se finalmente para a porta, despede-se de todos e sai, deixando atrás de si uma flor impronunciada.

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