“And I cut my bleedin´ heart out every night
And I´m going to die a little more on each St. Valentines day”
Blue Valentines, Tom Waits
Fodeu, ela escreveu. Ela sempre escreveu em pensamentos. Naquela noite, olhava por sobre o balcão para o espelho e assistia com curiosidade impassível ao seu enovelamento naquele turbilhão retido num túnel sem cor. Abriu os olhos e escreveu, fodeu.
Cena contínua em outro cenário, uma faísca sem luz transforma o corpo só em corpo. O turbilhão a suga para mais fundo no túnel, onde os sentidos acendem e apagam como num glimpse de verdade em estado bruto. E puro.
Corta e ela se vê na cena primeira, a original, personagem de um romance de Graham Greene sobre a cabeceira da cama que protagoniza a cena em que figura a voz enrouquecida. Ela espera o fim quando as luzes se acendem, mas o projetor continua a rodar. De tempos em tempos, ainda sangra um pouco a cada noite.
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"E a vida amorosa de todo ser humano não passa de sucessivas reimpressões de um 'chichê' único..."
Ricardo Goldenberg em Do amor louco e outros amores, Uma carta de amor
Ela sabe que a pergunta seria desnecessária se houvesse resposta. Encosta no real e tenta lavar a frustração com água que não escorre. É sempre o mesmo, condensado em outros. Sua vida amorosa, excetuados poucos casos, poderia ser chamada, assim como já o fez Borges com um livro, de história universal da infâmia. Pois é de infâmia, desconfia, que se trata a impotência dos falsamente alquebrados, enrustidos na torpeza própria do egoísmo e da mesquinhez. São infames os avarentos do amor, que medem e calculam esforços para não se esforçarem e também aqueles que se fazem frágeis aos olhos de quem os vê, mas que despedaçam quem os toca. Infames e irritantes são os arrogantes de si, que não têm vergonha nem orgulho e que trocaram o coração por inveja e despeito. Infames são sem dúvida aqueles que fazem pouco dela e jogam fora a coragem.
Ela gostaria que a mágica virasse milagre e que o fio ou as voltas que a prendem ao clichê fossem cortados com uma palavra, um simples abracadabra que pusesse fim àquele início e aos seus incontáveis remakes. Sente a exaustão refletida em paralisia e desconfia que não há nada, palavra alguma, que sirva para remendar os farrapos de indiferença usados pelo amor mendigo em suas perambulações.
Elas, as palavras, batem no invisível fio palpável que separa os dois mundos e caem estateladas e desarticuladas na mesa do concreto. Não fosse aquilo de acontecer o que nunca se viveu e que esvazia a gente na hora, ela mastigaria as palavras e as cuspiria todas de volta, ali, na literalidade intangível do encontro com quem é o real, a falta, o gesto de desacolhimento.
Ela não mastiga e o que engole é só a decepção. O resto, vira hiato, sem nome, no texto.
Ela não mastiga e o que engole é só a decepção. O resto, vira hiato, sem nome, no texto.
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