"As coisas estão no mundo só que eu preciso aprender"
Coisas do Mundo Minha Nega, Paulinho da Viola
"You can´t start a fire without a spark"
Dancing in the Dark, Bruce Springsteen
Você pulou, eu dizia, e, cansada da batida do dia, ela se via obrigada a voltar a página e ler o que havia faltado da história, pensando, caramba, se ela já sabe, por que quer que eu volte?
Minha mãe começou a me contar histórias enquanto eu estava dentro dela. Tinha as que ela contava em voz alta e as que chegavam até mim por meio do cordão umbilical, como a que é contada em Esta noite a liberdade, que vim a ler depois, na adolescência, e que, junto com outras, serviu de faísca para tantas coisas pela minha vida afora.
Criança, eu tinha baús de madeira para guardar meus tesouros, que sempre foram meus livros, gibis e revistas (a lembrança daquela edição da Superinteressante com o holograma de um cavalo-marinho na capa me faz abrir um sorriso até hoje), e acesso irrestrito às prateleiras que continham livros em casa, onde nada que contivesse páginas encadernadas me era proibido ou negado.
Mas o mais genial, o que de melhor eu tinha, era minha tia Helena. Irmã da minha avó materna, tia Helena era o fino do fino. Ela era, para mim, a encarnação dos livros na Terra, mas não só. Ela era livros e era liberdade. Vivia como queria, lia o que a maioria das pessoas ao meu redor não lia e era capaz de falar sobre tudo, sobre qualquer fato ou personagem, fictício ou não.
Ex-militante do Partido Comunista, ela tinha atos e ideias progressistas e muitos livros fascinantes cujo conteúdo eu não entendia, parcial ou completamente. Ela cuidou de mim desde os meus primeiros anos e até os últimos de sua vida conversou comigo sobre as coisas do mundo. Na infância, ela me cobria de gibis, de revistas e de livros. A partir do início da minha adolescência, trocávamos impressões semanais sobre o convidado do Roda Viva, sobre a entrevista feita por Marília Gabriela no Cara a Cara, sobre as invariavelmente excelentes conduções feitas pelo Roberto d´Ávila no programa que levava no título o seu nome e, assim como acontecia com alguns dos livros que ela tinha, eu também não entendia tudo o que era dito na televisão. Só que isso nunca me desanimou; pelo contrário, o ininteligível me encantava e me envolvia como se eu estivesse sob o efeito de um feitiço ou de uma droga, e eu queria mais, sempre mais daquele mistério, daquelas faíscas, daquelas coisas todas que estavam ali no mundo e que eu precisava aprender.
Eventualmente, confesso, eu me achava um pouco estranha, já que, afinal de contas, qual era o sentido daquilo? Por que eu lia livros e ouvia debates que pareciam estar além da minha compreensão? Até que um dia, assistindo a uma edição do Roda Viva que trazia José Saramago no centro do debate eu o ouvi dizer que sim, que se deve ler livros que não se entende, que se deve lê-los mesmo sem entendê-los completamente e que tudo bem não entender tudo. A partir daí nunca mais me estranhei, pelo menos não nesse sentido, e segui sem culpa sob o efeito amplificador das palavras.
É por isso que quando ouço alguém dizer, em tom desencorajador, que tal ou qual livro ou autor é difícil ou até impossível, que ainda não é hora de ler aquilo ou aquele outro, que um dia, talvez, mas que até lá... Eu agonizo. Fico prostrada por alguns minutos e indignada para todo o sempre, porque a pobreza de espírito, a tentativa de reduzir e de conter o intelecto numa caixa de fósforos é das coisas mais tristes e revoltantes que existem. O que nós todos deveríamos dizer uns aos outros é leia tudo o que quiser e entenda o que puder! Aproveite a faísca do novo e do desconhecido e incendeie o seu mundo; deixe o fogo retorcer a fita do seu pensamento e simplesmente observe o que acontece.
Como disse o Cazuza (sempre ele), o tempo, o tempo não para, e as coisas que estão no mundo não vão esperar por nós. Viver apenas dentro dos limites do que se entende é perda de tempo. E o tempo, o tempo não para.
P.S.: O último parágrafo faz referência à música de Cazuza e Arnaldo Pires Brandão, O Tempo Não Para.
Eventualmente, confesso, eu me achava um pouco estranha, já que, afinal de contas, qual era o sentido daquilo? Por que eu lia livros e ouvia debates que pareciam estar além da minha compreensão? Até que um dia, assistindo a uma edição do Roda Viva que trazia José Saramago no centro do debate eu o ouvi dizer que sim, que se deve ler livros que não se entende, que se deve lê-los mesmo sem entendê-los completamente e que tudo bem não entender tudo. A partir daí nunca mais me estranhei, pelo menos não nesse sentido, e segui sem culpa sob o efeito amplificador das palavras.
É por isso que quando ouço alguém dizer, em tom desencorajador, que tal ou qual livro ou autor é difícil ou até impossível, que ainda não é hora de ler aquilo ou aquele outro, que um dia, talvez, mas que até lá... Eu agonizo. Fico prostrada por alguns minutos e indignada para todo o sempre, porque a pobreza de espírito, a tentativa de reduzir e de conter o intelecto numa caixa de fósforos é das coisas mais tristes e revoltantes que existem. O que nós todos deveríamos dizer uns aos outros é leia tudo o que quiser e entenda o que puder! Aproveite a faísca do novo e do desconhecido e incendeie o seu mundo; deixe o fogo retorcer a fita do seu pensamento e simplesmente observe o que acontece.
Como disse o Cazuza (sempre ele), o tempo, o tempo não para, e as coisas que estão no mundo não vão esperar por nós. Viver apenas dentro dos limites do que se entende é perda de tempo. E o tempo, o tempo não para.
P.S.: O último parágrafo faz referência à música de Cazuza e Arnaldo Pires Brandão, O Tempo Não Para.
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