Ela morrer está sendo o parto mais difícil da minha vida. Não que eu já tenha tido partos literais, aqueles viscerais e vermelhos que aparecem no cinema e na televisão e pelos quais devo passar desacontecida, mas ela morrer é parte do meu parto de ser sem ela, é o avesso trágico do parto encantado que foram os olhos dela e que escondi de nós desde o dia em que ela aconteceu em mim até agora, quando contra a raiva que eu sinto só resta, aqui no mundo de fora, a revolta da palavra escrita.
No de dentro, onde os meus pés só falam depois de despidos e soltos sobre a tessitura dos fios grossos do divã, a palavra falada, diáfana, exige corpo, organização posterior. Eu não me completo se não me escrevo e faço do aparecer das letras na tela do computador ou na folha de papel o jeito de me distrair do concreto da vida, fazendo dele ficção de mim.
Coloco o de dentro no de fora para tentar decifrar o indescritível que a está devorando e que usa o pavor secreto daqueles que parecem fortes como uma arma para tentar me abater. Parir um enigma é viver em suspensão, é não saber o que já se sabe mas não se conhece. Dos horrores de morrer e de sobreviver tive os dois, mas separados. Conheci até, pela via da frase que na minha percepção congelou a rotação da Terra por talvez tantos segundos quantos foram os que as palavras de morte matada levaram para serem compreendidas, o que é viver o fato da morte que alguém matou. Mas foram outros sempre que morreram, nunca eu.
Como extensão de mim que foi desde que nos inventamos, ela vem me adivinhando há mais anos do que eu posso numerar racionalmente. Não há lógica ou fórmula que se aplique aqui além daquela do amor puro. Se a ambivalência é a regra das relações entre seres humanos, entre ela e eu nunca houve nada que se conformasse como o oposto do amor que me fez gerar o enigma do que é morrer e sobreviver numa única palavra.
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