Era uma vez um país nota sete, um lugar tão especial e abençoado por Deus que, segundo seus moradores, nunca demandaria muitos esforços para finalmente acontecer e ter final feliz como nas histórias que começam com era uma vez.
Era uma vez um país onde eu, quando me fiz gente (momento em que aprendi a ler) e passei a andar por aí carregando um livro na mão, cansei de ouvir, por que você está lendo esse livro? Se não é para a escola, por que está lendo? Nossa, que livro grosso! Grossos, finos, velhos, novos, ilustrados ou não, li tanto e com tanto desejo que nunca fui nota sete.
Era uma vez um país onde eu, menina, moça mas, principalmente, mulher, também cansei de ouvir, agora especificamente do público masculino, que, nossa, você é a primeira mulher tão inteligente quanto eu que eu conheço. Você é tão inteligente que até parece um homem. Tão inteligente quanto? Tão inteligente que parece um homem? Que homens se espantariam com a inteligência de uma mulher e que deixariam se escapar em susto em frases como essas? Aqueles povoados pelas fantasias do país nota sete, os mesmos que não sabem o que fazer com velhas novidades como o feminismo? Eu apostaria, entre outras fichas, que sim.
Era uma vez um país que despreza balconistas, frentistas, motoristas, garçons, faxineiros e adora doutores (mas só os que não têm títulos) e coronéis. Um país que de sete em sete perdeu tantas somas de três que ficou descalculado. Ser nota sete carrega em si o peso insustentável da insegurança de se saber desigual e de se comparar eternamente com mais ou com menos.
Era uma vez um país que se acredita o centro (apenas um pouco deslocado pelo brilho fulgurante de um outro país ao norte do mesmo continente com o qual sonha uma espécie de fusão de corpos e armas) do mundo e que olha desconfiado para o resto da humanidade. Um país nota sete que confunde China com Japão e que acha que, fora daqui, só a barbárie. Afinal, selvagens são os outros. Aqui não. Aqui somos limpos e comemos direito (não se passa fome, inclusive). Somos, junto com o país modelador das nossas fantasias econômicas fálicas, o que deve ser. Us and them.
Era uma vez um país que se afoga na lama do inominável da irresponsabilidade, do descaso, do crime, do que foi tentado barrar mas que rompeu. Porque rompe. Desamor, descuido, desumanidade rompe, e no singular, pois é tudo palavra diferente para a mesma palavra, para o anti-humano que habita a nota sete.
Era uma vez um país cheio de certezas opostas. Não tem mais de dois e dois é um para cada lado. Ou, melhor ainda, embaixo e em cima, um manda, o outro obedece. Outro manda, o um obedece. O país nota sete é onde se refestela o observador das relações de poder, é a casa mesma daquele general de dez estrelas que fica atrás da mesa com o cu na mão da música do Renato Russo. É ele.
Era uma vez um país nota sete que na ânsia impossível de ser o dez tão desprezado (e por isso mesmo tão almejado) sem ter que se olhar no espelho e encarar a dor da impotência dos seus próprios limites para só então poder começar a tentar superá-los com dignidade, preferiu se entregar. Disse que não tinha problema pois as palavras que estavam sendo ditas não eram as que seriam feitas porque não estavam mesmo sendo ditas. Eram aquelas mas não eram. E não eram o que se queria ouvir mas eram. Eram.
Era uma vez um país nota sete que cai. Mas o Brasil, não, o Brasilzão nunca vai cair. Cai. Ah, mas qualquer coisa tem impeachment. Impeachment não é qualquer coisa. Qualquer coisa é coisa que cai. Qualquer coisa é nota sete e nota sete desaba, desmancha. Mas o discurso dele... E mais reticências. Porque não se sabe o que dizer do indizível, do inominável, do absurdo, do surreal, do horror. E quando não são reticências são tentativas confusas de fazer parecer que não há descontrole, que não há estranhamento, que não há loucura. Loucura que, curiosamente, costuma ser tão temida e tão desesperadamente afastada da sociedade o tempo todo mas que foi escolhida por ela para falar por si. Loucura que fala numa verborragia nota sete, dia após dia, para o país nota sete e, catastroficamente, para todo um planeta de notas variadas.
Era uma vez um país nota sete que tem nome de árvore extinta e que agora vira pedra queimada. Lugar que era o do futuro mas que a nota sete mostrou ser ilusão de passado. Qual é o futuro de um país que arde em despeito e indiferença pelas palavras, pelas almas, pelos corpos? E o presente, qual é? Cortina de fumaça sobre a falta de empatia coletiva?
Era uma vez um país nota sete onde índio queima na rua, na floresta e onde mais houver silêncio. O sete não faz gente virar em humanidade mas faz vida de bicho inocente queimar de dor em sofrimento e homem matar mulher feminista. Sete é a nota que dá o tom exato da mediocridade necessária para mudar vida em morte, é onde o silêncio da palavra mata.
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